top of page

Fazendo as pazes com a raiva

“Raiva só faz mal para quem sente” era o que dizia minha mãe. Acredito que o objetivo dela era que eu fosse uma boa pessoa e pessoas boas não sentem raiva, elas aceitam, acolhem e se resignam frente a qualquer desafio.


Durante muitos anos da minha vida eu sofri com binge eating. Binge é quando você faz algo que te dá prazer em excesso. Acontece com comida, bebida, compras, Netflix, etc. O que acontecia comigo é que eu fazia dieta o dia todo e aí de madrugada quando não conseguia dormir eu ia pra cozinha. Uma vez cheguei a comer um panetone inteiro – aquele do tamanho normal, não o pequeninho. Acontecia mais ainda quando eu bebia. Se chegasse em casa mais-pra-lá-do-que-pra-cá com certeza ia traçar, no mínimo, uma barra inteira de chocolate.


Comecei então a prestar atenção no que estava acontecendo na minha vida e o que acontecia particularmente nestes dias que eu comia demais. Percebi que era sempre algo relacionado ao trabalho (fui silenciada em uma reunião, deram a promoção que eu queria para outra pessoa, cortaram minha verba, e coisas deste tipo) ou ao meu casamento (ele não sorriu pra mim quando cheguei em casa, brigamos porque não quis ir almoçar na mãe dele ou porque deixei um copo sujo na pia). Essas coisas me deixavam com raiva, mas eu – já que sou uma boa pessoa – não falava nada, não questionava, não discutia.


E o que a comida tem a ver com isso? Eu estava literalmente engolindo minha raiva. Ao não me permitir sentir aquilo, eu tinha que guardá-lo em algum lugar.


Aprendi que a raiva só faz mal pra quem sente se ela não é comunicada, processada ou expressa. Hoje, ao invés de comê-la, eu penso no que ela está querendo me dizer e uso esta raiva para me conhecer melhor.


Hoje, enquanto como uma fatia deste panetone delicioso eu reflito: fiquei com raiva porque não respeitaram um limite meu? Ou foi porque vi no outro algo que rejeito em mim? Será que o que aconteceu me deixou com medo ou com o ego ferido? Ou talvez deixei de dizer o que penso e respeitar minha própria autenticidade?


E aí, pra terminar, como um pedaço de chocolate e vou dormir.

 
 

MAGAZINE TITLE

bottom of page